Quando estou muitas horas a sentir o tempo que não sei para onde vai no relógio eléctrico, sei que passa por mim num zumbidinho leve, começo a distinguir coisas no escuro, primeiro os móveis que deixaram de ser móveis e perderam o nome e depois o tecto, as paredes, o quadrado mais claro da janela e o rectângulo mais claro da porta esses sim ainda tecto e paredes e janela e porta e eu todavia perdendo-os também e a esquecer o que são, parece que a alma me sai num fuminho e tenho medo que não regresse mais, que ficando sem alma fique sem a minha vida inteira e continue a respirar como respiram as cortinas e as árvores que por mais que nos falem não as podemos ouvir, não nos preocupamos no caso por exemplo de se assustarem, sofrerem, não fazem parte de nós, andam por aí e acabou-se, quando estou muitas horas acordada a minha cara principia a tornar-se da mesma matéria que as tais coisas do escuro e deixa de ser cara, os braços deixam de ser braços consoante os móveis deixaram de ser móveis e perderam o nome
(o que chamar à minha cara, aos meus braços?)
domingo, outubro 29, 2006
Ontem não te vi em Babilónia
25 de Outubro à noite
Lobo Antunes numa noite repleta de espontaneidades, revela o lado humano e solto do escritor consagrado. A conversa fluiu com muito humor, entre histórias de vida e de vidas, memórias e recordações de infância e personagens rocambulescas... Das várias afirmações, destaco aquela em que Lobo Antunes se referiu ao acto de escrever e aos requisitos necessários para se ser escritor: “solidão, orgulho e paciência”. Solidão, por exigir bastante isolamento (imprescindível à concentração). Orgulho, por implicar elevada força de vontade e persistência. Paciência, por envolver muitas privações, sempre.
ANTUNES, António Lobo - Ontem não te vi em Babilónia, 2006
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7 comentários:
tenho inveja :-)
foi uma noite memorável... :-)
estive ontem com este livro nas mãos e li algumas passagens.
não é o livro adequado para a fase que estou a viver...
os livros escolhem-se de acordo com os sentires...ou os estados de alma.
amanhã talvez.
para ti...hoje...deixo-te um beijo e o desejo de que tenhas uma semana tranquila.
Efemerum,
É mesmo, existem leituras para determinados momentos, para determinadas fases ou estados de alma...
Quando falas na fase que estás a viver... desejo-te tudo de bom, mesmo!
Um beijo para ti e uma semana bem tranquila.
... são exactamente muitas privações. esse estado de entrega é tal como um casamento para avida inteira.a paciência que muita vez teima em nos abandonar, fica também ela presa ao silêncio do nosso espaço.
(Li a pre-publicação (excertos) no suplemento 6ª...)
vou comprar!
:)
olha a última frase faz-me "comichões"... leio-a do seguinte modo:
o que chamar à minha querida, nos meus braços?
é tão bonita a frase! presumo que é do antónio lobo antunes, tem uma linguagem com um sentido tão rico que enche, é preciso tempo para absorver e expôr todas as interpretações :-)
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